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Por: ESA/OABSP - 06/04/2020
O art. 218-B do Código Penal e sua evolução legislativa.
Stefani Miranda Lima[1]
Renata Miranda Lima[2]
O Primeiro Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, realizado em Estocolmo em 1996, representou marco na tomada de consciência da exploração sexual infanto-juvenil no mundo. Nesse evento, líderes políticos, representantes governamentais, órgãos das Nações Unidas, organizações não governamentais, bem como especialistas nesse tema, totalizando 122 países, se comprometeram com o cumprimento de uma agenda de ações definidas no evento e que versava sobre o enfrentamento do problema[3].
Referida iniciativa foi promovida pela organização da campanha internacional do ECPAT[4], que consiste numa articulação internacional contra prostituição, pornografia e tráfico de crianças e adolescentes. Nesse sentido, o Congresso concentrou atenção na adoção de medidas contra a pornografia, prostituição infantil e o tráfico de crianças, apontando-os como as formas de violação dos direitos das crianças mais abomináveis[5].
Passou-se a reconhecer como crime contra a humanidade a violência sexual contra à criança, sendo realizado um pacto entre as agências colaterais internacionais e as ONG’s para a colaboração técnica e financeira em projetos de combate à violência sexual infanto-juvenil[6]. Essa cooperação entre os Estados, as parcerias entre governos e outros setores da sociedade tornou mais efetivo o enfrentamento da exploração sexual comercial infanto-juvenil, pois os países participantes se responsabilizaram em criar Planos Nacionais de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil.
Com a democratização do Estado e a construção de uma Constituição cidadão fomentada pela participação social, foi inserido no corpo Constitucional o dever do Estado, sociedade e família a proteção da criança de todas as formas de violência (artigo 227 da CRFB) No Brasil, essa problemática ganhou maior relevo e passou a integrar a agenda pública nacional no ano de 2000 com a elaboração do Plano Nacional[7], o qual contou com a participação de mais de 100 integrantes.
O Plano contém seis eixos estratégicos, quais sejam: (i) atendimento; (ii) prevenção; (iii) mobilização e articulação; (iv) defesa e responsabilização; (v) analise da situação e; (vi) protagonismo infanto juvenil. Este Plano “é o esboço de uma política pública em rede, visando à atenção integral de crianças e adolescentes em situação de violência sexual”. Nessa lógica, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), “adotou-o como diretriz básica na formulação de políticas públicas, prevendo a descentralização de ações para os estados brasileiros, a construção de planos estaduais e municipais”[8].
No ano de 2003 importantes pesquisas contribuíram para a instauração da CPMI da exploração sexual da criança e do adolescente, apresentando relatório final em junho de 2004[9]. Nesse relatório sugeriu-se o indiciamento de 250 pessoa, entre eles políticos, magistrados, líderes religiosos, esportistas empresários e outras autoridades pelo abuso sexual contra menores.
Tal CPMI além de demonstrar e denunciar as redes de exploração sexual comercial, também ofereceu, por meio do Projeto de Lei do Senado Federal nº. 253/2004, “um conjunto de sugestões para aprimorar as políticas públicas na área da infância e alterações legislativas que procuravam resguardar os direitos de crianças e adolescentes expostos à violência sexual e propiciar o enquadramento criminoso dos responsáveis”[10].
Em 2008 foi realizado o III Congresso Mundial de Enfrentamento de Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no estado do Rio de Janeiro. O evento representou uma continuidade de dois eventos anterior: um realizado em Estocolmo em 1996 e outro em Yokohama, no Japão, em 2001. Os objetivos do III Congresso se concentravam em analisar os novos cenários da exploração sexual infantil na contemporaneidade, identificar os avanços e lacunas no marco legal e na responsabilização, compartilhar experiências de implementação de políticas intersetoriais, ampliar parcerias com o setor privado, bem como definir estratégias e metas possíveis de serem pactuadas em cooperação internacional[11].
Por fim, em 2009, como resultado do trabalho de todos esses Congresso, o Projeto de Lei do Senado Federal nº. 253/2004 deu origem à Lei nº. 12.015 em 2009, a qual inseriu no Código Penal o art. 218-B. Este artigo criminalizou com pena de reclusão de 4 a 10 anos a conduta de “submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone”. Ademais, o § 2º, previu que incorre nas mesmas penas (i) quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 e maior de 14 anos na situação descrita no caput deste artigo; (ii) o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo[12].
Apesar da evolução legislativa a âmbito Nacional e Internacional para a proteção da criança e do adolescente, considera-se que estas ainda são as maiores vítimas de violência, tanto no cenário intra como extrafamiliar. A este respeito pesquisa sobre o mapa da violência contra crianças destaca que apesar do núcleo familiar ser o lugar de referência para a segurança e proteção das crianças e dos adolescentes, é recorrente situações de violência intrafamiliar nas suas diversas formas e dentre elas destaca-se a violência sexual[13].
Como forma de ilustrar os índices de violência contra a criança, pesquisa intitulada ‘mapa de Violência’ tomou como referência as notificações do SINAM[14]/ SUS de 2011 observou que do total de atendimentos (52.515) prevalece a violência física, que concentra 40,5% do total de atendimentos de crianças e adolescentes onde representam 59,6% do total de atendimentos realizados; em segundo lugar, destaca-se a violência sexual, notificada em 20% dos atendimentos, com especial concentração na faixa de 5 a 14 anos de idade; em terceiro lugar, com 17% dos atendimentos, a violência psicológica ou moral; já negligência ou abandono foi motivo de atendimento em 16% dos casos, com forte concentração na faixa de menos de 1 ano a 4 anos de idade.
A pesquisa registrou ainda que foram atendidas um total de 10.425 crianças e adolescentes vítimas de violência sexual em 2011. Apontou que os principais tipos de violência sexual a que foram submetidas foram: estupro, assédio sexual e atentado violento ao pudor.[15] Nesse ínterim, verifica-se que apesar dos avanços legais, é preciso construir e implementar políticas públicas robustas para completar o conjunto de medidas voltadas a contenção de violências contra a criança e adolescentes. Dessa forma, pode-se concluir que: a efetivação dos direitos das crianças urge políticas públicas desenhadas e implantadas com participação popular dirigidas a reduzir as violações de direitos perpetradas dentro e fora de casa.
[1] Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2017-2021). Voluntária na Assistência Jurídica 22 de Agosto. Monitora na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob a supervisão do Professor Luiz Sérgio Fernandes de Souza e do Professor Silvio Luís Ferreira da Rocha. Integrante do Grupo de Diálogo Universidade – Cárcere – Comunidade (GDUCC) vinculado ao departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da USP. Atuou enquanto estagiária no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
[2] Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia ESA/OAB-SP (2020). Mestranda pela Universidade Nove de Julho em Direito (2018-2020). Coordenadora Adjunta do Núcleo de bolsas e desenvolvimento Acadêmico do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM (2019-2020). Coordenadora Adjunta do Grupo de ações indiscriminatórias do Grupo Prerrogativas (2019-2020). Atuante em ações Adovocacy pelo curso AdvocacyHub. Pós-Graduada pela Universidade Castilla La Mancha – UCLM em negociação, conciliação e mediação em resolução de conflitos (2018). Pós-Graduada pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM em parceria com o Instituto Ius Gentium Conimbrigae (IGC) Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Direitos Fundamentais Internacionais (2017). Graduada em Direito pela Universidade Nove de Julho – UNINOVE (2016).
[3] CONGRESSO DE ESTOCOLMO. Relatório do Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças. Suécia. UNICEF, ECPAT e Grupo de ONG’s para a Convenção dos Direitos da Criança, 1996.
[4] ECPAT – Rede global de organização de sociedades civis de combate a Prostituição, Pornografia e Tráfico de Crianças e Adolescentes.
[5] Vasconcelos, Maria Gorete Oliveira Medeiros. Public policies achievements and challenges at the attention network to domestic and sexual violence situations against children and adolescents: the experience of São José dos Campos. 2009. 198 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009. p. 36.
[6] LIBÓRIO, R. M. C; SOUSA, S. M. G (Org.). A exploração sexual comercial de adolescentes no Brasil. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004; Goiânia: Universidade Católica de Goiás, 2004. p. 45.
[7] BRASIL. Ministério da Justiça. Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil. Brasília: Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), 2002.
[8] Idem.
[9]BRASIL, Congresso Nacional. Relatório Final da Comissão Parlamentar mista de Inquérito. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/84599/RF200401.pdf?sequence=5&isAllowed=y>. Acesso em 03/04/2020.
[10] VASCONCELOS, Maria Gorete Oliveira Medeiros. Public policies achievements and challenges at the attention network to domestic and sexual violence situations against children and adolescents: the experience of São José dos Campos. 2009. 198 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009. p. 39.
[11] Ibdem. 37.
[12] BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Distrito Federal, dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso: 03/04/2020.
[13] JESUS, Ana Paula da Costa de; MOREIRA, Rafael Bueno da Rosa. A violência sexual contra crianças e adolescentes no brasil: da proteção jurídica as políticas públicas. 2015. p. 16 Disponível em: <file:///C:/Users/Renata/Downloads/13166-6807-1-PB.pdf>. Acesso em 03/04/2020.
[14] Sistema Nacional de atendimento médico.
[15] Ministério dos Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Proteção dos Direitos da Criança e Adolescente. 2018, p. 45 – 46. Disponível em: <https://www.mdh.gov.br/biblioteca/consultorias/conada/violencia-contra-criancas-e-adolescentes-analise-de-cenarios-e-propostas-de-politicas-publicas.pdf>. Acesso em 03/04/2020.