SAÚDE MENTAL EM ÉPOCA DE PANDEMIA POR COVID-19 – PARTE II: suporte à Advocacia

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Por: ESA/OABSP - 29/04/2020

SAÚDE MENTAL EM ÉPOCA DE PANDEMIA POR COVID-19 – PARTE II: suporte à Advocacia

Regina Célia Martinez[1]

Renata Miranda Lima[2]

Olivia de Quintana Figueiredo Pasqualeto[3]

Raíssa Moreira Lima Mendes Musarra[4]

 

No que tange à institucionalização na Ordem dos Advogados do Brasil, o tema Saúde Mental tem sido abordado mesmo antes da pandemia por COVID 19. Em 2018 foi lançada a Cartilha da Saúde Mental da Advocacia – “O Cuidado de Si como inerente à Preservação dos Direitos dos Outros”[5] e em 2019, a 2ª. edição[6].

Em cenário sem Coronavírus, transtornos mentais são os principais motivos para afastamentos no trabalho na área jurídica, motivando 30% das licenças médicas de advogados e 60% de procuradores entre 2012 e 2018[7]. Podem ser citados como fatores que levam ao adoecimento no meio jurídico, ambientes de trabalho que prezam pela rigidez, criando uma relação de frieza entre os colegas e sobrecarga de trabalho[8].

No cenário com Coronavírus, temos os focos de atenção já reportados na primeira parte deste[9] texto, denominada “SAÚDE MENTAL EM ÉPOCA DE PANDEMIA POR COVID-19 – PARTE I: endereçamento de ações institucionais”.

A CAASP (Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo) da OAB São Paulo disponibilizou uma plataforma de saúde mental exclusiva para a advocacia paulista para apoio emocional para o enfrentamento do COVID-19, apoio psicológico e fornecimento de informações científicas sobre saúde emocional com conteúdo sobre questões emocionais e orientações, além de teste on-line para aferir o nível de estresse, gratuitamente. A orientação psicológica é realizada on-line com profissionais de psicologia na plataforma, credenciados ao Conselho Federal de Psicologia (CFP), com valores subsidiados em mais de 50% pela Caixa de Assistência[10]. Como visto no artigo (SAÚDE MENTAL EM ÉPOCA DE PANDEMIA POR COVID-19 – PARTE I:

O endereçamento de ações institucionais) para a advocacia e, de modo geral, um ambiente que respeite e proteja os direitos civis, políticos, socioeconômicos e culturais básicos é fundamental para a saúde mental pois sem a segurança e a liberdade oferecidas por esses direitos, é inviável manter um alto nível de saúde mental[11]. Dentre os esforços para desenvolver e implementar políticas de saúde mental, é vital não apenas que sejam atendidas as necessidades de pessoas com transtornos mentais definidos, mas, também, a proteção e promoção do bem-estar mental de seus cidadãos[12].

               

Vale frisar que, em virtude da pandemia de Covid-19, mais de 10 mil advogados solicitaram Benefício Alimentar Temporário[13] à CAASP (Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo) e OAB/SP no período entre 16 e 22 de abril de 2020, o que revela a importância do amparo institucional que a Ordem dos Advogados do Brasil pode promover em nível local, repercutindo, sobremaneira, na saúde mental e global dos Advogados e Advogadas.

É um momento de atenção à manutenção da vida e da saúde em um cenário em que a noção de governança tem sentido enquanto a tentativa de construção de políticas em um contexto em que o Estado não detém mais o primado da ação pública[14] ou não possui mais a capacidade e os recursos necessários para operacionalizar suas ações de forma vertical[15][16]. Assim, outros arranjos institucionais emergem como promotores de práticas sociais relacionadas com os temas de saúde mental em um espaço social marcado por relações de competição, mas também de cooperação.

 

 

 

                 

 

 

 


[1] Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia de São Paulo – ESAOAB/SP. Doutora. Mediadora, Conciliadora e Árbitra. Professora da Escola Paulista da Magistratura de São Paulo(EPM). Professora UNIJALES – Centro Universitário de Jales. Vice Presidente da Associação Paulista de Conservadores e Restauradores de Bens Culturais. Membro efetivo da Comissão de Ensino Juridico da OAB/SP. Consultora Especialista do Conselho Estadual de Educação – São Paulo. Integrante do Banco de Avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação de Educação Superior – BASIS. Consultora Jurídica. 

[2] Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia ESA/OAB-SP (2020). Mestre pela Universidade Nove de Julho em Direito (2018-2020). Coordenadora Adjunta do Núcleo de bolsas e desenvolvimento Acadêmico do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM (2019-2020). Coordenadora Adjunta do Grupo de ações indiscriminatórias do Grupo Prerrogativas (2019-2020). Atuante em ações Adovocacy pelo curso AdvocacyHub. Pós-Graduada pela Universidade Castilla La Mancha – UCLM em negociação, conciliação e mediação em resolução de conflitos (2018). Pós-Graduada pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM em parceria com o Instituto Ius Gentium Conimbrigae (IGC) Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Direitos Fundamentais Internacionais (2017). Graduada em Direito pela Universidade Nove de Julho – UNINOVE (2016).

[3] Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia de São Paulo (ESA-SP). Doutora e Mestra em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD/USP). Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP). Advogada. Membro da Comissão Especial de Direito do Trabalho da OAB-SP. Professora da Universidade São Judas Tadeu e da Universidade Paulista.

[4] Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia de São Paulo – ESAOAB/SP. Pesquisadora em nível de Pós-doutorado no Instituto de Energia e Ambiente (IEE/USP). Pesquisadora do RCGI (Research Centre for Gás Innovation)/USP. Advogada, pós-graduada em Direito Público (UFG) mestre e doutora em Ciências Sociais (UFMA; UFPA), com estágio doutoral sanduíche na Universidade Paris XII, Villetaneuse (Sociologie/Droit).

[6] OAB Nacional lança a Cartilha de Saúde Mental da Advocacia 2ª. Edição http://s.oab.org.br/pdf/CARTILHADASAUDEMENTALDAADVOCACIA2ED.pdf Acesso em 24 de abril de 2020.

[7] Transtorno mental é principal causa de afastamento do trabalho: Valor Econômico Data: 28/10/2019.

[8] Transtorno mental é principal causa de afastamento do trabalho: Valor Econômico Data: 28/10/2019.

[9] 1) Reações comuns de pessoas afetadas (direta e indiretamente) podem incluir :

Medo de adoecer e morrer.

Evitar procurar estabelecimentos de saúde devido ao medo de ser infectado enquanto é atendido.

Medo de perder meios de subsistência, não poder trabalhar durante isolamento, e ser demitido do trabalho.

Medo de ser socialmente excluído/colocado em quarentena por ser associado a doença (ex. racismo contra pessoas que são ou vieram de áreas infectadas).

Sentir-se vulnerável ao proteger os que ama e medo de perdê-los por causa do vírus.

Medo de ser separado das pessoas que ama e de cuidadores devido ao regime de quarentena.

Recusa em cuidar de crianças desacompanhadas ou separadas, pessoas com deficiências ou idosos devido ao medo de infecção, porque os pais ou cuidadores estiveram em quarentena.

Sentimentos de desamparo, tédio, solidão e depressão devido ao isolamento.

Medo por reviver a experiência de uma epidemia anterior.

2) Ainda, o surto COVID-19 afeta e estressa a população de maneiras particularmente específicas:

Risco de ser infectado e infectar outros, sobretudo se o modo de transmissão do COVID-19 não estiver 100% claro.

Sintomas comuns de outros problemas (febre, por exemplo) podem ser confundidos com COVID-19 e levar ao medo de estar infectado.

Cuidadores podem sentir-se cada vez mais preocupados com suas crianças estando sozinhas em casa (devido ao fechamento de escolas) sem apoio apropriado e cuidados. O fechamento da escola pode ter um efeito diferencial nas mulheres, que prestam a maior parte do cuidado informal nas famílias, com consequentes limitações de trabalho e oportunidades econômicas.

Risco de deterioração da saúde mental e física de indivíduos vulneráveis, por exemplo, como adultos mais velhos e pessoas com deficiências, se cuidadores estiverem em quarentena, e se outras assistências e apoios não estiverem disponíveis .

3) O constante medo, preocupação, incerteza e estresse da população durante o surto de COVID-19, pode gerar consequências a longo prazo dentro das comunidades, famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade:

Deterioração das redes de apoio social, dinâmicas locais e economias.

Estigmatização daqueles pacientes que sobreviveram, resultando na rejeição da comunidade.

Possíveis exaltações emocionais, sentimentos de raiva e agressão contra funcionários do governo e da linha de frente

Possíveis sentimentos de raiva e agressão contra filhos, cônjuges, parceiros e familiares (aumento da violência familiar e nas relações íntimas)

Possível desconfiança das informações fornecidas pelo governo e outras autoridades

Pessoas com problemas de saúde mental e uso de substâncias podem ter recaídas e outras consequências negativas por evitarem unidades de saúde ou estarem incapazes de acessar seus prestadores de cuidados

4) Alguns destes medos e reações surgem de perigos reais, mas muitas reações e comportamentos também surgem da falta de conhecimento, rumores e desinformação  . Em um aspecto mais positivo, algumas pessoas podem ter experiências construtivas, como a satisfação de encontrar formas de lidar e resiliência. Diante de desastres, membros da comunidade geralmente demonstram altruísmo e cooperação, e pessoas podem ter grande satisfação em ajudar outras, e, durante a pandemia de COVID-19 podem incluir:

Manter contato social com pessoas que podem estar isoladas usando ligações telefônicas, mensagens de texto e internet.

Compartilhar mensagens importantes e confiáveis com pessoas da comunidade, especialmente com pessoas que não usam redes sociais.

Fornecer ajuda e apoio para pessoas que tenham sido separadas de suas famílias e cuidadores.

Compreender e endereçar considerações em saúde mental e psicossocial serão fundamentais para interromper a transmissão e prevenir o risco de repercussão a longo prazo no bem-estar da população e sua capacidade de lidar com adversidade.

5) Atividades Recomendadas:

Como parte do fortalecimento contínuo do sistema de saúde, todo estabelecimento de saúde deve ter pelo menos uma pessoa treinada e um sistema para identificar e prestar assistência a pessoas com condições comuns e graves de saúde mental.

Neste caso, é aconselhável a alocação de recursos de longo prazo e o desenvolvimento de uma estratégia para influenciar o financiamento, a coordenação da qualidade e iniciativas sustentáveis e de longo prazo . Qualquer estratégia deve abordar: medo, estigma, estratégias negativas de enfrentamento (por exemplo, abuso de substâncias) e as outras necessidades identificadas por meio de avaliação, e que se baseie em estratégias positivas de enfrentamento propostas pela comunidade, promovendo estreita colaboração entre comunidades e serviços de saúde, educação e assistência social     .

Intervenções em saúde mental devem ser realizadas juntamente com serviços de saúde (incluindo Atenção Básica à Saúde (ABS) e poderiam também ser organizadas em outras estruturas pré-existentes na comunidade, como escolas, centros comunitários, juventude e centros da terceira idade, depois do surto   .

Integrar mensagens de saúde mental positivas em todas as mensagens públicas (TV, redes sociais etc.) pode promover o bem-estar da população. Uma campanha abrangente de conscientização pública deve ser mobilizada a fim de educar as comunidades, enfrentar o estigma e a discriminação e qualquer medo excessivo de contágio .

As crianças não devem ser separadas de suas famílias, a menos que seja para tratamento e prevenção de infecção. Se a separação tiver que ocorrer, deve ser encontrada uma alternativa segura e confiável e com o contato regular da família, mantendo as medidas de proteção à criança. (Consulte: Padrões mínimos para proteção da criança em ações humanitárias) .

Para aqueles que perderam entes, estabelecer oportunidades de viver o luto de uma maneira que não comprometam as estratégias de saúde pública para reduzir a disseminação do COVID-19, e que reflita as tradições e rituais da comunidade.  

[10] A primeira consulta com especialista custa R$ 39,90. É possível ainda fechar pacotes, duas ou mais sessões saem por apenas R$ 35,00 cada. Disponível em https://www.beepsico.com.br/. Acesso em 24 de abril de 2020.

[11] WHO, World Health Organization. Mental health and psychosocial considerations during the COVID-19 outbreak. 2020.

[12] WHO, World Health Organization. Mental health and psychosocial considerations during the COVID-19 outbreak. 2020.

[13] O Benefício Alimentar Temporário possui como foco a compra de alimentos, tendo a cesta básica como parâmetro e o valor concedido é de R$ 100,00. Disponível em http://www.oabsp.org.br/noticias/2020/04/beneficio-alimentar-temporario-para-a-advocacia-ja-esta-disponivel-saiba-como-solicitar.13503. Acesso em 28 de abril de 2020.

[14] LE GALÈS, Patrick. Régulation, gouvernance et territoire. In: COMMAILLE, Jacques; JOBERT, Bruno (Dir.) Les métamorphoses de la régulation politique. Paris: LGDJ, 1998. p. 203-240.

[15] BORRAZ, Olivier. Les normes: instruments dépolitisés de l'action publique. In: LASCOUMES, Pierre; LE GALÈS, Patrick (Dir.) Gouverner par les instruments. Paris: Presses de Sciences Po, 2004. p. 123-161.

[16] Monteiro, Cristiano Fonseca; Carneiro Marcelo Domingos Sampaio. Velhos e novos desafios para a sociologia econômica no século XXI.