A Constitucionalidade da Lei 11.340/2006 – Maria da Penha e a Lei 9.099/95 – Decisão do STF

Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federa – STF, declarou, no ontem, quinta-feira, dia 24, a constitucionalidade do artigo 41 da Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, afastando a aplicação do artigo 89 da Lei nº 9.099/95dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, quanto aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, tornando impossível a aplicação dos institutos despenalizadores previstos nesta última, como a suspensão condicional do processo.

Por: ESA/OABSP - 28/03/2011

          O julgamento pelo Supremo, era do Habeas Corpus- HC 106212, em que o Réu, condenado pela Justiça de Mato Grosso do Sul à pena restritiva de liberdade de 15 dias, convertida em pena alternativa de prestação de serviços à comunidade, contestava essa condenação, sua punição pautada  no artigo 21 da Lei 3.688-Lei das Contravenções Penais, acusado de ter desferido tapas e empurrões em sua companheira.  A defesa apelou ao Grosso do Sul (TJ-MS) e ao Superior Tribunal de Justiça, sem obter êxito.

          A Defensoria Pública da União, no HC acima exposto, questionando às decisões do Tribunal e do STJ, em favor do Réu, alegou que o artigo 41 da Lei Maria da Penha seria inconstitucional, pois ofenderia o artigo 89 da Lei 9.099/95.

Lei 9099/95:

“Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).”

          Por força dessa disposição legal, é permissivo ao Parquet, requerer a suspensão do processo, por dois a quatro anos, nos casos em o crime cometido, a pena mínima cominada, for igual ou inferior a um ano, levando em consideração que o réu não tenha sido condenado por outro crime, ou mesmo respondendo a  processo criminal.

A competência de julgamento desses crimes, tem previsão na Constituição Federal de 1988, vejamos:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

(…)

No caso em tela, a Defensoria utilizou exatamente dessa previsão legal,  na fundamentação do HC,  alegou que o Réu,  ao cometer uma infração de menor potencial ofensivo, conforme dispõe o artigo 98 da Constituição Federal de 1988, a competência para o seu julgamento seria no Juizado Especial Criminal, dessa forma, o julgamento ocorrida nos Juizado Especial da Mulher, violaria preceito constitucional.

O que diz então a  Lei 11.340/2006, sobre os crimes de violência doméstica e familiar:

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

A Constituição Federal e 1988 também prevê medidas de coibir à violência contra mulher e na família, vejamos:

 Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

 § 8º – O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

A Lei Maria da Penha, tem como base, exatamente, esse princípio constitucional fundamental, além do princípio da dignidade da pessoa humana mulher, e da isonomia, pois a mulher é  a parte mais fraca, no âmbito material e instrumental,  da relação doméstica e familiar.

Tratando do princípio da Igualdade, vale ressaltar na “ Oração dos Moços”- obra que não canso de ler e reproduzia-la no dia a dia do exercício de minhas profissões seja na advocacia ou na docência –  data máxima vênia, o Profeta,  Professor Rui Barbosa, desse brilhante discurso, extrai a premissa maior de nosso ordenamento que se aplica com primazia na discussão que trago, “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam”.[1]

No que tange ao tratamento isonômico entre homens e mulheres, conforme prevê o artigo 5º, inc. I da CF/88, dessa forma, para que esse princípio seja considerado, necessário se faz, o tratamento desigual, observando suas diferenças.

Esse normativo, vem justamente, coibir a violência contra a mulher que permeia nosso Pais, com repercussões desastrosas á toda sociedade, no desde o ambiente familiar destruindo lares, servindo como má influência na formação educacional das crianças e adolescentes que presenciam tal violência, tal conduta muitas vezes são repetidas na escola, e principalmente na reproduzida na fase adulta desse ser, em suas famílias.

Tal medida judicial, criada tardiamente, em nosso ordenamento jurídico, sendo que sua aplicação deve ser eficaz e eficiente, um instrumento  a fim de reparar às injustiças cometidas contra a mulher, que por anos foram vítimas de violências no ambiente familiar.

Seria um retrocesso aplicar a substituição penal, como antes da Lei Maria da Penha ocorria, e a par disso o legislador assegurou proibiu na lei, vejamos:

Prevê a Lei em seu artigo 17 : “ É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa”.

Exatamente, a positivação desse artigo, teve como finalidade pelo legislador, de vedar a transação penal e a suspensão condicional do processo,  em contrapartida ao cenário de  impunidade, aos agressores de mulheres, uma violação ao princípio da dignidade humana, de mulheres vítimas dessa violência, em que a filosofia “do tapinha não dói”, haja vista, é “sucatear, baratear”, com a fixação de  simples multas ou  "de cestas básicas", estimulando o agressor a cometer esse crime.

A leitura do olhar daquelas mulheres vítimas, de seus companheiros, algumas marcadas pelas agressões, nas salas de audiências, no momento da  aplicação dessas medidas alternativas, transação penal ou suspensão condicional do processo,  essa barganha, causava a  sensação de injustiça em que toda a sua dor e sofrimento, nada valia, ou pio era sucateada, um ultraje a sua integridade física e psíquica, ser considerada de tão pouca valia, sua condição humana reduzida, um ultraje aos princípios da humanidade e banalização dos direitos humanos das mulheres.

Transcrevo material disponibilizado no Site do Supremo Tribunal Federal, contendo a decisão e votos dos Ministros no HC 106212:

“Decisão

Todos os ministros presentes à sessão de hoje do Plenário – à qual esteve presente, também, a titular da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Iriny Lopes – acompanharam o voto do relator, ministro Marco Aurélio, pela denegação do HC.

Segundo o ministro Marco Aurélio, a constitucionalidade do artigo 41 dá concretude, entre outros, ao artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal (CF), que dispõe que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

O ministro disse que o dispositivo se coaduna com o que propunha Ruy Barbosa, segundo o qual a regra de igualdade é tratar desigualmente os desiguais. Isto porque a mulher, ao sofrer violência no lar, encontra-se em situação desigual perante o homem.

Ele descartou, também, o argumento de que o juízo competente para julgar Cedenir seria um juizado criminal especial, em virtude da baixa ofensividade do delito. Os ministros apontaram que a violência contra a mulher é grave, pois não se limita apenas ao aspecto físico, mas também ao seu estado psíquico e emocional, que ficam gravemente abalados quando ela é vítima de violência, com consequências muitas vezes indeléveis.

Votos

Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Luiz Fux disse que os juizados especiais da mulher têm maior agilidade nos julgamentos e permitem aprofundar as investigações dos agressores domésticos, valendo-se, inclusive, da oitiva de testemunhas.

Por seu turno, o ministro Dias Toffoli lembrou da desigualdade histórica que a mulher vem sofrendo em relação ao homem. Tanto que, até 1830, o direito penal brasileiro chegava a permitir ao marido matar a mulher, quando a encontrasse em flagrante adultério. Entretanto, conforme lembrou, o direito brasileiro vem evoluindo e encontrou seu ápice na Constituição de 1988, que assegurou em seu texto a igualdade entre homem e mulher.

Entretanto, segundo ele, é preciso que haja ações afirmativas para que a lei formal se transforme em lei material. Por isso, ele defendeu a inserção diária, nos meios de comunicação, de mensagens afirmativas contra a violência da mulher e de fortalecimento da família.

No mesmo sentido votou também a ministra Cármen Lúcia, lembrando que a violência que a mulher sofre em casa afeta sua psique (autoestima) e sua dignidade. “Direito não combate preconceito, mas sua manifestação”, disse ela. “Mesmo contra nós há preconceito”, observou ela, referindo-se, além dela, à ministra Ellen Gracie e à vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat. E esse preconceito, segundo ela, se manifesta, por exemplo, quando um carro dirigido por um homem emparelha com o carro oficial em que elas se encontrem, quando um espantado olhar descobre que a passageira do carro oficial é mulher.

“A vergonha e o medo são a maior afronta aos princípios da dignidade humana, porque nós temos que nos reconstruir cotidianamente em face disto”, concluiu ela.

Também com o relator votaram os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e o presidente da Corte, ministro Cezar Peluso. Todos eles endossaram o princípio do tratamento desigual às mulheres, em face de sua histórica desigualdade perante os homens dentro do lar.

O ministro Ricardo Lewandowski disse que o legislador, ao votar o artigo 41 da Lei Maria da Penha, disse claramente que o crime de violência doméstica contra a mulher é de maior poder ofensivo. Por seu turno, o ministro Joaquim Barbosa concordou com o argumento de que a Lei Maria da Penha buscou proteger e fomentar o desenvolvimento do núcleo familiar sem violência, sem submissão da mulher, contribuindo para restituir sua liberdade, assim acabando com o poder patriarcal do homem em casa.

O ministro Ayres Britto definiu como “constitucionalismo fraterno” a filosofia de remoção de preconceitos contida na Constituição Federal de 1988, citando os artigos  3º e 5º da CF.  E o ministro Gilmar Mendes, ao também votar com o relator, considerou “legítimo este experimento institucional”, representado pela Lei Maria da Penha. Segundo ele, a violência doméstica contra a mulher “decorre de deplorável situação de domínio”, provocada, geralmente, pela dependência econômica da mulher.

A ministra Ellen Gracie lembrou que a Lei Maria da Penha foi editada quando ela presidia o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ensejou um impulso ao estabelecimento de juizados especiais da mulher.

Em seu voto, o ministro Cezar Peluso disse que o artigo 98 da Constituição, ao definir a competência dos juizados especiais, não definiu o que sejam infrações penais com menor poder ofensivo. Portanto, segundo ele, lei infraconstitucional está autorizada a definir o que seja tal infração.” [2]

Segundo o ministro Marco Aurélio, a constitucionalidade do artigo 41 dá concretude, entre outros, ao artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal (CF), que dispõe que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

Conclusão

O Supremo Tribunal Federal ao proferir tal decisão, da constitucionalidade do artigo 41 da Lei 11.340/2006 – Maria da Penha atende aos anseios da sociedade brasileira.

Hoje, podemos dizer que a segurança jurídica, está presente, na medida em que às mulheres vítimas de violência, terão a certeza que o judiciário irá aplicar a Lei, penalizando os agressores que comentem esse tipo de crime, como medida coercitiva, dessa forma, reduzir ou quem sabe cessar a violência doméstica e familiar em nosso ordenamento jurídico.

 


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[1] A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem. (Rui Barbosa. Oração aos Moços Edição popular anotada por Adriano da Gama Kury 5ª edição, Casa Rui Barbosa. pag.26 – disponível www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/artigos/rui_barbosa/FCRB_RuiBarbosa Oracao aos_mocos.pdf í

 

[2] Disponível www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=175260&caixaBusca=N