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Por: ESA/OABSP - 23/04/2020
Covid-19 versus Contrato de Trabalho – Quem deve pagar?
JULIANA DE MELO MENDES
Advogada
mm.juliana@hotmail.com
DIREITO DO TRABALHO
RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo a percepção de danos significativos à população brasileira, como a rescisão de contratos de trabalhos. Analisar de forma crítica a postura governamental e os impactos econômicos bailados pelo COVID-19 de acordo com a legislação trabalhista em vigor.
PALAVRAS-CHAVE: ‘‘COVID-19’’. Rescisão de contrato de trabalho. ‘’Factum Principis’’.
ABSTRACT: The present work aims at the perception of significant damages to the Brazilian population, such as the termination of employment contracts. Critically analyze the governmental stance and the economic impacts drafted by COVID-19 in accordance with the current labor legislation.
Keywords: ‘‘COVID-19’ ’. Recision of work contract. ‘’ Factum Principis ’’.
SUMÁRIO: 1. O COVID-19. 1.1. DIVERGÊNCIAS SOBRE A APLICABILIDADE DO ISOLAMENTO SOCIAL COMO MEDIDA DE BARREIRA DO COVID-19. 1.2. OS IMPACTOS DIANTE DO ISOLAMENTO SOCIAL. 2. DA COVID-19 e a RELAÇÃO DE TRABALHO NO BRASIL. 2.1. DO ‘’FACTUM PRINCIPIS’’
Introdução:
O presente artigo analisa como pandemia do Covid-19 atingiu todas as relações interpessoais, ocasionando mudanças repentinas mudanças necessárias para frear a expansão da enfermidade, exemplo disso são as relações de trabalho, pois há muitas incertezas no que concerne aos direitos dos empregados e dos empregadores nesse cenário de paralisações dos meios de produção e de consequente crise econômica.
Para o melhor entendimento foi dividido em capítulos, abordando os principais aspectos sofridos pela pandemia, com ênfase trabalhista.
Por fim, sua elaboração tem objetivo ao enfrentamento do artigo 486 da CLT, que aborda a aplicação do ‘’factum principis’’ na rescisão do contrato de trabalho, qual seja a responsabilidade pelo pagamento da indenização fica a cargo da autoridade municipal ou estadual ou federal que motivou o fechamento da empresa. A pandemia do Covid-19 pode ser considerada como evento de força maior, uma vez que é uma situação que não poderia ser prevista pelas partes no momento da contratação, bem como não é possível prever ou impedir seus impactos.
SUMÁRIO
A era do Covid-19 será conhecida por dilemas e escolhas drásticas necessárias ao enfrentamento desse problema global. A proliferação do vírus virou caso de Pandemia e o risco de morte promove um cenário aterrador.
O termo pandemia se refere ao fato de uma doença atingir diversos continentes tendo como agente transmissível as pessoas. Nosso cenário mundial detectou milhões de infectados e mortes em todo mundo. Por esse viés, a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de março de 2020, classificou oficialmente a ameaça representada por esse vírus como pandemia.
Outros 57 países, disse Tedros, têm até 10 casos, e 90% das infecções do mundo vêm de 4 países: além da China, a Itália, o Irã e a Coreia do Sul têm as maiores quantidades de casos de Covid-19. (Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS).
"Pandemia não é uma palavra para ser usada de maneira leviana ou descuidada. É uma palavra que, se mal utilizada, pode causar medo irracional ou aceitação injustificada de que a luta acabou, levando a sofrimento e morte desnecessários".
No Brasil, antes da decretação da OMS, foi determinado como ‘emergência sanitária de interesse social’, perante a Lei Federal n. 13.979/20.
Em 25 de fevereiro de 2020, a Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo confirmou o primeiro caso no Brasil. O Brasil já havia elevado seu alerta para a doença de nível 2 (perigo iminente) para 3, no qual se declara emergência de saúde pública de importância nacional.
O cenário de pânico é compartilhado por diversas nações, bem como a angústia e a ansiedade decorrentes da incerteza de superação da doença. A medida adotada como tentativa de conter o vírus foi o isolamento social, entretanto, gerou-se críticas de parte da sociedade e dos governos.
Correntes de pensadores divergem entre si quando se trata do tema em questão.
No Brasil não há parâmetro para aplicação do isolamento, já que a última vez que a medida foi aplicada foi em 1917, durante o surto de gripe espanhola.
Muitas entidades alertam para importância do isolamento contra a Covid-19, mesmo que ocasione-se evolutivos impactos em diversas áreas como político, cultural e socioeconômico.
Essas entidades defendem que as estratégias de isolamento social são fundamentais para conter o crescimento do número de pessoas afetadas e que não haja um colapso do sistema de saúde. A ações são os fechamentos de escolas, comércios, órgãos públicos, isto é, qualquer tipo que ocasione o distanciamento social.
Por fim, as pessoas não têm que querer ou não um isolamento, devem aceitar, pois a medida é fundamental para conter a proliferação do vírus, por isso é adotada pela maioria dos países.
Outro tipo de grupo defende que o isolamento deve ser realizado de forma vertical, isso é, isolar apenas as pessoas infectadas ou mais vulneráveis ao vírus e não fechar escolas e empresas. Alegam que é um ciclo, pois se as pessoas não trabalham, não há economia. As empresas não poderão pagar seus funcionários e o medo nas pessoas será agravado: um final de desemprego e aumento da pobreza.
Faz parte desse grupo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que encaminhou uma carta em que propõe isolamento vertical na indústria. Dessa maneira, apenas os grupos considerados de risco ficariam isolados para evitar a Covid-19. Segundo a proposta, cerca de 9,4 milhões de trabalhadores industriais deverão fazer exames rápidos a cada 15 dias.
No Brasil, o Presidente da República desconsidera os imensos esforços da sociedade civil em manter distanciamento social, fechar estabelecimentos comerciais e serviços desacelerando a economia, tudo em defesa da vida, que é o bem maior de uma nação.
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em razão da pandemia, a economia global pode crescer na taxa mais baixa desde 2009.
O fechamento de escolas afetam principalmente as crianças e famílias desfavorecidas, não só pela interrupção da aprendizagem, mas também pelo custo econômico em famílias que não podem trabalhar.
Há previsão de diminuição na poluição do ar, devido ao declínio acentuado nas emissões de poluentes dos automóveis, como o óxido nitroso e dióxido de carbono, por consequente, também resultaram numa diminuição de gases de efeito de estufa.
Culturalmente, uma das consequências mais visíveis da pandemia tem sido o cancelamento de cerimónias religiosas, eventos desportivos, festivais de música, concertos, estreias de cinema, conferências tecnológicas e espetáculos de moda. O Vaticano anunciou o cancelamento das cerimônias da Semana Santa em Roma, disponibilizaram a cerimónia em livestream ou na televisão.
A maior parte dos grandes eventos desportivos agendados foi cancelada ou adiada, incluindo a Liga dos Campeões da UEFA de 2019–20, a Premier League de 2019–20, o Campeonato Europeu de Futebol de 2020, a Temporada da NBA de 2019–20, e a temporada da NHL de 2019–20.
A indústria de entretenimento também foi afetada, com várias bandas a suspender ou cancelar suas apresentações. Muitos teatros também suspenderam todas as exibições. Alguns artistas têm explorado formas de continuar a produzir e partilhar as suas obras através da internet como alternativa aos concertos ao vivo, como concertos em streaming, ou criando festivais web com presença de vários artistas.
O turismo é um dos setores mais afetados, devido às restrições de circulação, ao encerramento de espaços públicos. Consequentemente, várias companhias aéreas cancelaram voos. Diversos navios de cruzeiro fora afetados pelo novo coronavírus.
O Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, disse que a pandemia causada pelo novo coronavírus terá “efeito contracionista extremamente significativo sobre a atividade global”.
Diante desse cenário, o governo brasileiro tomou algumas medidas fiscais para combater os negativos impactos econômicos, como a redução de tributos, diferimento no pagamento dos tributos devidos, suspensão da cobrança de débitos e facilitação da renegociação das dívidas.
Nesse cenário de necessidade de contenção da disseminação do vírus, diversos órgãos públicos e algumas empresas têm optado por instituir o teletrabalho, popularmente denominado‘’home office’’. O empregador deve o empregador disponibilizar os equipamentos de proteção individual (EPIs) (luvas, máscaras, álcool gel etc.) necessários para a ocasião, sob pena de ensejar rescisão indireta pelo empregado prejudicado, sob pena de infringência aos direitos sociais expressos na Constituição Federal, precisamente o inciso XXII do artigo 7º que estabelece "a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança".
Acrescenta-se, ainda, que o empregado que se recusar a atender medidas de higiene também poderá estar incorrendo em justa causa. O trabalhador, portanto, que deixar de adotar as orientações do empregador voltadas à saúde e segurança, como o uso de EPI – abrangendo casos em que determinada a utilização de luvas, máscara e álcool gel, sempre que fornecidos pela empresa – e o afastamento quando há suspeita de contaminação pelo vírus, poderá sofrer advertências, suspensão e, até mesmo, rescisão do contrato motivada por justa causa, com fulcro no parágrafo único do artigo 158 da CLT.
Em casos de situação de emergência, a adoção do trabalho remoto é temporária e pode prescindir de algumas etapas formais, desde que respeitados os limites estabelecidos na legislação trabalhista e no contrato de trabalho e o local contratual da prestação do serviço continua sendo a empresa.
A Lei n. 13.979/2020, denominada Lei Nacional da Quarentena, estabelece, de antemão, algumas das possíveis medidas que poderão ser adotadas para enfrentar o alastre dessa doença que tanto tem impactado a população mundial.
A nível trabalhista, o Governo Brasileiro dispôs algumas Medidas Provisórias acerca dos contratos de trabalho, contém que as ausências do empregado decorrentes de medidas propostas para contenção do contágio serão consideradas faltas justificadas; tratando-se, portanto, de interrupção do contrato de trabalho, com regular recebimento do salário. Ademais, poderá haver suspensão do contrato de trabalho que não dependerá de acordo ou convenção coletiva, prevalecendo a negociação individual com o empregado. Segundo a MP, durante o período de suspensão do contrato, o empregador deve oferecer qualificação online e manter benefícios, como o plano de saúde. Se não oferecer o programa de qualificação, o empregador deve pagar salário e encargos sociais, ficando sujeito a penalidades previstas na legislação. Durante o período de suspensão, o empregador não precisará pagar salário, mas pode conceder uma ajuda compensatória — sem natureza salarial — com valor negociado entre as partes.
O texto estabelece regras para teletrabalho, antecipação de férias individuais, concessão de férias coletivas, aproveitamento e antecipação de feriados, banco de horas, suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, direcionamento do trabalhador para qualificação adiamento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). A medida provisória prevê que férias possam ser antecipadas no período de até 48 horas, desde que o trabalhador seja avisado. Para trabalhadores da área de saúde e serviços considerados essenciais, as férias podem ser suspensas.
2.1. DO ‘’FACTUM PRINCIPIS’’
O Artigo 486 da CLT dispõe de uma modalidade especial de resolução do contrato individual do trabalho, diante da impossibilidade, para o empregador, por ato absolutamente alheio, de dar continuidade à normal execução do contrato.
Artigo 486, da CLT – No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.
Trata-se do ‘’factum principis’’ (fato do príncipe), uma modalidade especial de força maior, caracterizada quando a continuidade das atividades do empregador é inviabilizada por atos unilaterais de autoridade municipal, estadual, distrital ou federal ou pela promulgação de lei, decreto, resolução ou outro ato administrativo que impossibilite a continuação da atividade exploradora pelo empregador, paralisando-a de forma temporária ou definitiva.
A aplicação dessa legislação exclui a responsabilidade do empregador de pagar as verbas rescisórias, eis que o encerramento de suas atividades se deu por motivo de força maior, isto é, fato não previsível, o que afasta o fato dele ter assunção jurídica no risco do negócio.
O Governo Brasileiro decretou o encerramento de diversas atividades econômicas não essenciais, como shoppings, centros comerciais, padarias, farmácias, acarretando danos inevitáveis às atividades empresariais, de forma temporária ou até definitiva, ocasionando dispensa de trabalhadores, até de maneira massiva. Com a ocorrência do fato narrado, estaremos diante do ‘’factum principis’’, espécie do gênero de força maior, que deste possui ligeira diferença, pois aquele possui fato impeditivo da continuidade das atividades empresariais, determinada por autoridade governamental.
Nesse sentido, diante do atual cenário decorrente do COVID-19, a empresa que for submetida a um insustentável desequilíbrio financeiro decorrente do cumprimento de medidas impostas pelas autoridades governamentais, sem prescindir da cautela e da análise técnica devida, poderá ela rescindir os contratos de seus empregados tendo como motivo justificador o fato do príncipe. As verbas indenizatórias, como o aviso prévio, o terço de férias, as férias vencidas e proporcionais e o seu terço seriam pagas pela metade na demissão motivada por força maior. E no caso do Fato do Príncipe, como é a obrigação de fechamento de estabelecimentos em razão da pandemia do coronavírus, seriam de responsabilidade do ente público que determinou esse fechamento e impediu a continuidade do negócio.
Portanto, em caso de rescisão de contratos de trabalho forçadas pela suspensão das atividades em razão de determinação de ente público no esforço do combate à pandemia do coronavírus, as empresas devem pagar todas as verbas rescisórias devidas de acordo com a lei e buscar do Estado a responsabilização solidária pelas verbas de caráter indenizatório – o que pode ser feito, por exemplo, pela via da requisição de pequeno valor.
CONCLUSÃO
Conclui-se que a paralisação do mundo por decorrência da pandemia, tem a possibilidade de trazer uma recessão sem precedentes na história da humanidade.
A medida recomendada pela Organização Mundial da Saúde é o isolamento social, denominado quarentena. Com isso, vários pontos econômicos foram impedidos de continuar abertos, ocasionando uma crise aos empresários que não sabem como irão conseguir arcar com suas dívidas, incluindo as verbas trabalhistas. Para as empresas, ônus muitas vezes não suportável, não terão reserva de fundos para a imprevisibilidade desequilibra totalmente a estrutura.
Neste momento, no entanto, a rescisão dos contratos de trabalho deve ser a última alternativa. Cabe ao Estado garantir às pessoas e às empresas condições para manutenção dos empregos e dos salários, para que possamos juntos superar as dificuldades sociais, econômicas e estruturais que certamente vamos enfrentar a partir de agora.
Interpretando o artigo 486 da CLT, os empresários enxergam sua saída, pois com o fechamento da empresa, haverá encargos trabalhistas, a empresa ficará inadimplente fazendo com que os funcionários movam reclamações trabalhistas para o recebimento de seus direitos trabalhistas. Neste caso, será possível o chamamento ao processo do Estado, para este figurar como parte no processo.
REFERÊNCIAS