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Por: ESA/OABSP - 10/05/2021
DUE PROCESS OF CRIMINAL EXECUTION
1. O autor deste artigo, que escreve sobre o tema desde o ano de 2015, lançou no ano passado o livro Execução Penal Humana: Remição pela Tortura. Sinteticamente, a obra, com base em precedente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sustenta a tese de que ao preso, submetido a tortura – inerente às condições desumanas, cruéis e degradantes dos cárceres brasileiros – assiste o direito de remir três dias de pena por cada dia cumprindo, nesse contexto, no regime fechado, nos estabelecimentos penais nacionais.
2. Em artigos publicados na semana passada esse tema também foi estudado pelo autor.
3. No dia 7/5/2021, o site do Superior Tribunal de Justiça publicou uma notícia excepcional: ‘Ministro manda contar em dobro todo o período de pena cumprido em situação degradante’.
4. Desse modo, além do precedente emanado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, há também, agora, no STJ, importantíssimo julgado monocrático acolhendo a tese da remição, pela tortura, da pena cumprida em condições cruéis, desumanas e degradantes:
Logo, os juízes nacionais devem agir como juízes interamericanos e estabelecer o diálogo entre o direito interno e o direito internacional dos direitos humanos, até mesmo para diminuir violações e abreviar as demandas internacionais. É com tal espírito hermenêutico que se dessume que, na hipótese, a melhor interpretação a ser dada, é pela aplicação a Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 2018 a todo o período em que o recorrente cumpriu pena no IPPSC.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, para que se efetue o cômputo em dobro de todo o período em que o paciente cumpriu pena no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, de 09 de julho de 2017 a 24 de maio de 2019.
5. O penalista tem de insistir no fato de que a execução penal pressupõe o cumprimento de regras constitucionais e de Direito Internacional dos Direitos Humanos. No CP e na LEP:
Direitos do preso
Art. 38 – O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.
Art. 3º Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.
Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política.
6. O que vale por dizer que, ao condenado, ao apenado, assiste o direito ao devido processo legal, no campo executivo penal. Aí incluindo, por evidente, o direito que lhe assiste à remição especial – nome ou expressão cunhada pelo autor deste artigo. Remição especial que pode ser pleiteada, então, consideradas as Regras de Mandela, por meio processual próprio e incidental ao devido processo constitucional de execução penal – ou due process of criminal execution, se se preferir. Dado que a execução penal, realizada pelo poder punitivo formal, inadmite qualquer excesso ou desvio – por exemplo, superlotação e superpopulação carcerárias. Nesse sentido:
Art. 185. Haverá excesso ou desvio de execução sempre que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares.
Art. 186. Podem suscitar o incidente de excesso ou desvio de execução:
I – o Ministério Público;
II – o Conselho Penitenciário;
III – o sentenciado;
IV – qualquer dos demais órgãos da execução penal.
7. Uma cela um preso. Importa acrescentar além disso que segundo o Conselho da Europa, conforme destacado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos [CIDH], na Resolução da CIDH sobre o caso do ‘Complexo Penitenciário de Curado’, Recife, Brasil, 28/11/2018:
81. “A Corte verifica que essas pessoas sofrem as consequências de uma superpopulação com densidade que ultrapassa os 200%, quando os critérios internacionais – como o do Conselho da Europa – salientam que ultrapassar 120% implica superpopulação crítica”.
7.1. Essa orientação emanada da CIDH foi adotada – vale lembrar – antes da pandemia.
7.2. Veja-se, então, que sequer a Lei de Execução Penal e o Código Penal são cumpridos no Brasil – quanto mais as Regras de Mandela – aliás, existe vigor e eficacia dessa legislação penal e processual penal, no Brasil? Se as a LEP e as Regras de Mandela fossem vigentes, eficazes e cumpridas os estabelecimentos penais brasileiros esvaziar-se-iam – especialmente se forem consideradas as infrações penais não cometidas com violência ou grave ameaça à pessoa. Para fins didáticos, invoque-se, no ponto, a LEP:
Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).
8. Já passou da hora de ser implantado, no Brasil, o due process of criminal execution. Em ordem a resguardar-se a promover-se a dignidade humana. Com essa ideia-força, Rudolf Von Ihering, para quem:
O fim do direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o direito estiver sujeito às ameaças da injustiça – e isso perdurará enquanto o mundo for mundo –, ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: Luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos.
[…]
O direito é o trabalho sem tréguas, e não somente o trabalho dos poderes públicos, mas sim o de todo o povo. Se passarmos um golpe de vista em toda a sua história, esta nos apresenta nada menos que o espetáculo de uma nação inteira despendendo ininterruptamente para defender o seu direito penosos esforços, como os que ela emprega para o desenvolvimento de sua atividade na esfera da produção econômica e intelectual.
9. Com a palavra, os penalistas.
Alexandre Langaro, advogado criminal. Autor de livros e artigos jurídicos. Estudou o NY Criminal Procedure Law em Nova Iorque