LIÇÕES DA CONVENÇÃO AARHUS PARA A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NA SEARA AMBIENTAL

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Por: ESA/OABSP - 27/04/2020

Lições da Convenção Aarhus para a Participação Pública na Seara Ambiental

 

Raíssa Moreira Lima Mendes Musarra[1]

 

A Convenção sobre Acesso à Informação, Participação Pública na Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria Ambiental[2], realizada em Aarhus, Dinamarca, em 25 de junho de 1998 pela Comunidade Europeia (juntamente com todos os seus Estados-Membros) tem como objetivo “contribuir para a proteção do direito de todos os indivíduos, das gerações presentes e futuras, a viver num ambiente propício à sua saúde e bem-estar, cada Parte garantirá a concessão dos direitos de acesso à informação, à participação do público no processo de tomada de decisões e à justiça no domínio do ambiente”.

Assim, reconhece que toda pessoa tem o direito viver em um ambiente adequado à sua saúde e bem-estar, e dever, individualmente e em associação com os outros, de proteger e melhorar o meio ambiente em benefício das gerações presentes e futuras.

Considera que, para poder reivindicar esse direito e cumprir esse dever, os cidadãos devem ter acesso à informação, ter direito a participar da tomada de decisões e ter acesso à justiça em questões ambientais, e reconhece, a este respeito, que os cidadãos podem precisar de assistência para exercer seus direitos.

Esta convenção reconhece, também, que, na seara do meio ambiente, o melhor acesso à informação e a participação do público na tomada de decisões, melhoram a qualidade e a implementação das decisões, e contribuem para a conscientização pública sobre questões ambientais.

A Convenção estabelece a oportunidade de que o público expresse suas preocupações e permite que as autoridades públicas levem em devida conta essas preocupações. Com base em considerações adicionais, responsabilidade e transparência na tomada de decisões, a convenção visa fortalecer o apoio do público às decisões sobre o meio ambiente, de que o público precisa estar ciente dos procedimentos de participação na tomada de decisões ambientais, ter livre acesso a eles e saber usá-los.

Ela está assentada em três pilares: acesso à informação; participação pública; e acesso à justiça, previstos nos seus artigos 4 a 9, os quais dependem um do outro para a plena implementação da convenção.

Para tanto, considera como “Público”: uma ou mais pessoas singulares ou coletivas, bem como as suas associações, organizações ou agrupamentos de acordo com a legislação ou práticas nacionais; e “Público envolvido”: o público afetado ou suscetível de ser afetado pelo processo de tomada de decisões no domínio do ambiente ou interessado em tais decisões; presumindo como partes interessadas as Organizações Não Governamentais que promovam a proteção do ambiente e que satisfaçam requisitos estabelecido no âmbito dos estados signatários.

Pilar I – Acesso à informação

O acesso à informação é o primeiro dos pilares. A participação na tomada de decisões depende de informações completas, precisas e atualizadas.

O pilar de acesso à informação contém duas partes, a primeira diz respeito ao direito do público de buscar informações junto às autoridades públicas e a obrigação das autoridades públicas de fornecer informações em resposta a uma solicitação. A segunda parte do pilar da informação diz respeito ao direito do público de receber informações e a obrigação das autoridades de coletar e disseminar informações de interesse público sem a necessidade de uma solicitação específica.

Pilar II – Participação pública na tomada de decisões

O segundo pilar da Convenção de Aarhus é o pilar da participação pública, a partir da adequada informação para garantir que o público possa participar de maneira informada e o acesso a pilar da justiça para garantir que a participação ocorra na realidade e não apenas no papel.

A participação pode dizer respeito a quem pode ser afetado ou estiver interessado na tomada de decisões sobre uma atividade específica, ou ainda, à participação do público no desenvolvimento de planos, programas e políticas relacionadas ao meio ambiente, ou na preparação de leis, regras e normas juridicamente vinculativas.

Pilar III – Acesso à justiça

O terceiro pilar é o acesso à justiça. Ajuda a fazer cumprir o pilar de informação (especificamente, o artigo 4 sobre solicitações de informação) e o pilar de participação do público (especificamente, artigo 6 sobre participação do público em decisões sobre atividades específicas) nos sistemas jurídicos nacionais, bem como quaisquer outras disposições. Também fornece um mecanismo para o público fazer cumprir a lei ambiental diretamente.

É interessante observar a atualidade da Convenção frente às questões ambientais. No que tange ao cenário brasileiro, as lições da Convenção podem auxiliar a transição de uma participação “consultiva” (a exemplo da que temos prevista em nossas normas internas para Avaliação de Impacto Ambiental) para uma participação com poder decisório (apesar de uma incipiente emergência de intervenção possibilitada pela Lei n. 7.802/89[3], que disciplina atividades envolvendo o uso de agroquímicos, seus componentes e similares, que prevê que certas organizações têm o direito de solicitar o cancelamento ou contestação do registro de agroquímicos e similares quando puderem prejudicar o meio ambiente e a saúde dos seres vivos).

Há indícios de que a participação consultiva não interfere diretamente no processo de tomada de decisão e de que a participação resolutiva e a participação de controle implicariam a efetiva intervenção no curso da atividade pública[4].

Esta “cidadania ativa”, diferente da “cidadania passiva” (concedida pelo Estado com a idéia moral de favor e tutela), presume-se fortalecida em 1988, implicando o reconhecimento da complementaridade entre a representação política tradicional e participação popular exercida diretamente[5] [6].

Para tanto, a cidadania ativa requer instituições, mediações e comportamentos próprios, constituindo a criação de espaços de expressão política como instrumentos para a melhoria e o fortalecimento da democracia participativa[7], e a Convenção Aahrus apresenta, nesta seara, um norte para incorporação de dispositivos normativos condizentes com esta finalidade.

 

 


[1] Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia de São Paulo – ESAOAB/SP. Pesquisadora em nível de Pós-doutorado no Instituto de Energia e Ambiente (IEE/USP). Pesquisadora do RCGI (Research Centre for Gás Innovation)/USP. Advogada, pós-graduada em Direito Público (UFG) mestre e doutora em Ciências Sociais (UFMA; UFPA), com estágio doutoral sanduíche na Universidade Paris XII, Villetaneuse (Sociologie/Droit).

[2] COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. Convenção da UNECE sobre Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente.

[3] LEI Nº 7.802, DE 11 DE JULHO DE 1989. Dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências.

[4] JACOBI, Pedro Roberto; BARBI, Fabiana. Democracia e participação na gestão dos recursos hídricos no Brasil. Rev. Katál. Florianópolis v. 10 n. 2 p. 237-244 jul./dez. 2007 in: http://www.scielo.br/pdf/rk/v10n2/a12v10n2.pdf.

[5] JACOBI, Pedro Roberto; BARBI, Fabiana. Democracia e participação na gestão dos recursos hídricos no Brasil. Rev. Katál. Florianópolis v. 10 n. 2 p. 237-244 jul./dez. 2007 in: http://www.scielo.br/pdf/rk/v10n2/a12v10n2.pdf.

[6] BENEVIDES, M. V. 1994.- “Cidadania e Democracia”. Revista LUA NOVA, vol. 33:5-16.

[7] BENEVIDES, M. V. 1994.- “Cidadania e Democracia”. Revista LUA NOVA, vol. 33:5-16.