De plano, convém distinguir três situações em que a lei autoriza a internação compulsória: na área criminal, quando o agente for considerado inimputável ou semi-imputável; na área cível, quando se tratar de pessoa com problemas de saúde mental e, dentro desse gênero, de dependente químico.
Por: ESA/OABSP - 09/03/2013
A legislação penal em vigor no Brasil prevê duas modalidades de medida de segurança: a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; e sujeição a tratamento ambulatorial. Assim, se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação em estabelecimento dotado de características hospitalares, onde será submetido a tratamento. O juiz ainda poderá submetê-lo a tratamento ambulatorial se o fato previsto como crime for punível com detenção. Em ambos os casos, a medida perdurará enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. No entanto, uma vez extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta.
O Código de Processo Civil, de seu turno, possibilita ao juiz determinar a interdição de pessoa que revele anomalia psíquica e que seja incapaz para reger sua própria vida e administrar seus bens. A propósito, nos Estados Unidos também se admite a internação contra a vontade de pessoas que representem um perigo para si ou para outras pessoas e que não sejam capazes de sobreviver por si sós.
Como se vê, a legislação brasileira caminha nesse sentido a pretexto de observar o princípio da dignidade humana e o disposto nos artigos nos artigos 5º, LXXVIII, e 196, ambos da Constituição Federal de 1988.
Deveras, a Lei n. 10. 216, de 06 de abril de 2001 prevê três tipos de internação psiquiátrica, quais sejam 1) a internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário; 2) a internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e 3) a internação compulsória: aquela determinada pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.
A polêmica atual, contudo, reside nos casos de internação do dependente químico sem o seu consentimento, ou seja, nos casos de internação involuntária e de internação compulsória. A primeira decorre de pedido de terceiro, ressalvado, porém, o direito do usuário à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária. A segunda ocorre por determinação judicial, sem o consentimento do usuário ou de sua família.
De um lado, alega-se que o Estado, em parceria com o Judiciário, está a “aplicar a lei para salvar pessoas que não têm recursos e perderam totalmente os laços familiares. Essas pessoas estão abandonadas, e é obrigação do Estado tirá-las do abandono. A presença do Judiciário vai aumentar as garantias aos direitos dos dependentes químicos.”[1]
De outro, sustenta-se que não se deve confundir dependência química com saúde mental, donde a necessidade de políticas públicas específicas para cada caso. Por oportuno, depreende-se do relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU que tem crescido exponencialmente o número de instituições voltadas a albergar dependentes químicos, muitas das quais, a rigor, não se dedicam a uma política de efetivo tratamento e observância dos direitos humanos.[2]
Vale ter em conta que a Lei n. 10. 216, de 06 de abril de 2001 disciplina a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Nos termos desta lei, compete ao Conselho Nacional de Saúde, no âmbito de sua atuação, criar comissão nacional para acompanhar sua implementação, tendo em conta, ainda, que ao Governo do Estado incumbe disponibilizar assistência social, terapêutica e saúde.
De seu turno, o Tribunal de Justiça de São Paulo criou o Anexo Judiciário das Varas de Família, Fazenda Pública e Infância e Juventude da Capital para apreciação de tutelas de urgência que visem a resguardar a vida, a saúde e a dignidade de dependentes químicos. Ademais, o próprio atesta a existência de espaço apropriado no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (CRATOD), da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, situado próximo à região conhecida como “cracolândia”, onde já é prestado atendimento multidisciplinar aos dependentes químicos.[3]
Assim, nos termos do Provimento CMS n. 2026, de 21 de janeiro de 2013, o juiz conhecerá dos pedidos formulados, inclusive de internação compulsória em caráter excepcional, pelos legitimados, ouvidos o paciente, o Ministério Público e o Defensor Público, advogado plantonista indicado pela Ordem dos Advogados do Brasil ou advogado constituído, em defesa dos interesses do paciente vulnerável.
Convém ressaltar que a internação involuntária deve ser autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina (CRM) do Estado onde se localize o estabelecimento, no prazo de 72 horas, devendo, ainda, ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido, procedimento este que também deve ser renovado quando da respectiva alta.
A saúde, vale frisar, é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196 da CF/88). De igual modo, qualquer violação do direito à liberdade e à igualdade, dentre outros direitos fundamentais e humanos, ensejará a devida indenização por danos materiais e morais.
Ricardo César Franco
Defensor Público do Estado de São Paulo
Mestrando em Filosofia do Direito
Valéria Furlan
Professora Titular de Direito Tributário da Faculdade de
Direito de São Bernardo do Campo (Autarquia Municipal)
Mestre e Doutora em Direito do Estado
[1]In “Entenda o que é a internação compulsória para dependentes químicos”. Disponível em , acesso em: 23.02.3013.
[2]In “Report of the Special Rapporteur on torture and other cruel, inhuman or degrading treatment or punishment, Juan E. Méndez”. Disponível em, , acesso em 23.02.2013)
[3] In “Provimento CSM n. 2.026/2013: atendimento a dependente químico”, do TJ/SP, publicado no D.O.J. em 21.01.13. Disponível em http://www.aasptjsp.org.br/noticia/provimento-csm-n%C2%BA-2026-2013-atendimento-dependente-qu%C3%ADmico, acesso em: 23.02.13.