Em jornal de grande circulação, noticiou-se a respeito de moradores de rua que estão ocupando a calçada em frente a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da USP, sob o título: ‘ Os donos do largo de São Francisco’. Foram abordados problemas sociais causados pela acomodação nesse espaço público e também alguns fatores que os levam a essa ocupação. Para comentar o assunto, convidamos o Doutor Maurício Bunazar, Advogado, Professor de Direito Civil e Membro da Comissão de Direito Civil da OAB/SP.
Há bastante tempo os sociólogos reconhecem que o direito funciona como instrumento sistêmico a serviço da sociedade, contudo, às vezes, parece faltar esta percepção aos juristas, que, não raro, tratam problemas sociais como assunto estranho ao Direito. Penso que, antes de remeter a solução de algum problema social a órgãos como Polícia Militar, Prefeitura etc, é nosso dever investigar se o Direito contém algum instrumento útil à sua solução, afinal é esta sua tarefa precípua. Com a questão dos moradores de rua não é diferente.
Primeiramente, é fundamental distinguir duas situações que, embora próximas, são distintas: a dos moradores de rua toxicômanos e a dos moradores de rua sem teto. É dos primeiros que quero tratar hoje.
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O Código Civil estabelece que os toxicômanos cujo discernimento para os atos da vida social esteja comprometido são incapazes, devendo, pois, serem submetidos ao procedimento judicial de interdição para que possam gozar da proteção que o sistema normativo lhes garante.
Ocorre que, no Brasil, só há o “hábito” de interditar pessoas dotadas de algum patrimônio, o que está longe de ser a realidade da maioria dos viciados em crack que ocupam os centros de várias das nossas capitais. Este “hábito” acaba por deixar sem proteção justamente os que dela mais necessitam, contribuindo para manutenção de estado de coisas em tudo e por tudo nefasto. O Código Civil Brasileiro atribui precipuamente à família o dever de promover a interdição, mas determina que o Ministério Público o faça quando os familiares se mantiverem omissos por qualquer razão.
Parece-me, então, que é dever institucional do Ministério Público promover a interdição destas pessoas para que o Poder Judiciário lhes atribua curadores, capazes de tomar todas as medidas necessárias às suas recuperações, inclusive pleiteando ao SUS o tratamento psiquiátrico adequado.
Só há liberdade onde não há condicionamentos físicos e sociais, Sartre tem razão. Libertemos estas pessoas.